domingo, 11 de março de 2007

NO SOM DA MÚSICA... O TOM DA APRENDIZAGEM...

O fazer musical ressignificando a Educação
Autora: Erica Gomes Pontes (*)

Cantar... Antes mesmo de pronunciar as primeiras palavras, marcas inscritas num corpo que anseia ser mais do que um turbilhão de ossos e carne houve um tempo em que balbuciávamos pequenas canções. Melodias indecifráveis, impossíveis de receberem qualquer nome. Apenas signos, apenas música. Sons perdidos no tempo. Esquecidos. Adormecidos.

E de que modo indissociável este fazer musical tatuou-se em nossas entranhas humanas. Somos seres essencialmente musicais, pois carregamos um corpo que mais do que palavras, expressa uma sinfonia de gestos e desejos. Diz, o indizível. Traduz o enigma. Labirinto oculto no qual a própria psicologia se debruça na tentativa em clarificar. Afinal não é este o anseio da ciência psicológica, dar voz, som e cor ao mistério humano?

O Mistério. A existência do desconhecido sempre denotou a necessidade do olhar. Somos movidos em direção ao que foge a nossa compreensão. Buscamos métodos, deciframos códigos, reinventamos teorias. Todas, tentativas de se desmembrar o mistério. E quando a verdade se presentifica à nossa frente, deparamo-nos com a certeza do incerto, e com a presença eterna de uma ausência latente.

Somos andarilhos de uma estrada que declaradamente se faz infinita por natureza. E se o caminho a percorrer é longo, porque não o fazermos munidos de cantigas e canções que despertem vida neste corpo já calejado pela andança?

Não é gratuito, portanto, ao vasculharmos a história das civilizações, encontrarmos, em todos os povos antigos, independentemente de traços culturais, a priorização da música enquanto instrumento de expressão de sentimentos e ensinamentos. Já haviam descoberto o mágico poder contido nas estrofes de uma canção.

Canta-se para velar os mortos, e canta-se para celebrar uma nova vida. Canta-se em rituais de agradecimento e canta-se para invocar a proteção dos deuses. Canta-se para se preparar para a guerra e canta-se para glorificar o amor.O som musical desde tempos imemoriais, tem-se mostrado privilegiado recurso simbólico, e fonte inesgotável de prazer.

Prazer que há muito foi usurpado de nossas instituições educacionais. Não é raro encontrarmos discursos provindos de diversas esferas sociais, onde deparamo-nos com “escolares” que ainda não descobriram o prazer no ato de aprender. Gerações inteiras que ainda não puderam significar a aprendizagem como construção enriquecedora não só no que concerne aos conhecimentos formais, transmitidos pelas unidades de ensino, mas sim e principalmente, naquilo em que deveria promover a edificação de sujeitos conscientes, comprometidos com o universo social no qual estão inseridos e, conseqüentemente, seres mais felizes.

A alegria de ensinar e aprender deu lugar à voracidade do rigor dos currículos. Fôrmas de aço que aprisionam a alegria e a impedem de voar em direção a outros horizontes. E assim, a escola tem se transformado numa indústria promissora de marionetes de madeira. Assim como o Pinóquio, personagem inesquecível do mundo infantil temos nosso corpo talhado, violentado por mãos alheias que nos pedem, o inestimável esforço, de domar a alegria e converte-la em confortáveis boas notas no boletim ao final do semestre.

É exatamente por compreender que o espaço escolar deva ir além das avaliações de conteúdos, promoções, recuperações ou repetências anuais, que delego ao fazer musical a possibilidade de reinventar vida dando sentido e forma, num solo tão castigado e infrutífero.

Se naturalmente, a civilização humana utilizou-se da música enquanto instrumento de aprendizagem, porque devemos negar este processo à nossas crianças? É certo que a música tem adentrado, timidamente, as instituições escolares nos últimos tempos. Contudo é considerada como atividade recreativa, própria a ser ministrada na sexta-feira à tarde, quando todos estão muito cansados para aprender de verdade. Não é esta a proposta que vos faço.

Postulo que a vivência musical, experenciada não somente na educação infantil, como é de praxe, mas em todos os segmentos escolares, constitui-se como facilitador de aprendizagem.

Muitos são os questionamentos acerca dos rumos que serão tomados pela educação brasileira para os próximos 10 ou 20 anos. Pergunta-se como se ensina; pergunta-se como se aprende. Discute-se sobre o que, quando e como ensinar. E a cada novo método, a cada nova perspectiva teórica, vemo-nos diante de um cenário desolador. Docentes adoecidos, insatisfeitos em sua vocação de ensinantes e crianças esvaziadas da fome de saber. Fato plausível de observação. Basta investigarmos o aumento considerável no universo psi, de encaminhamentos infantis decorrentes de conflitos experenciados na relação ensino/aprendizagem.

E o verbo, saber que deveria converter-se em carne, em liberdade, termina por corromper e encarcerar a alma. A escola transformou-se em sintoma, em dor, pois se afastou do prazer e da alegria, indispensáveis ao aprender.

É preciso resgatar a cor, o movimento e o lúdico, se desejamos romper com este cenário tempestuoso no qual se encontra a educação. Preencher a escola de pensamentos novos, idéias libertadoras de alegria e corpos que dancem a luz do conhecimento, é o desejo que trago guardado em meu coração. Mas o desejo é sujeito faceiro, nos prega peças para deturpar a si mesmo, manter a obscuridade. Como se houvesse algo em nós que devesse permanecer anonimamente protegido, resguardado. Mas de repente, o silêncio rompe o corpo em forma de canção, e o escondido transcende os muros de pedra da razão imposta, e naquilo que não sei, emerge o que sou. Sou menino descalço, sou pipa no vento. Sou falta do colo e medo do escuro. Sou verso e refrão de melodia a ser composta. Só preciso que me deixem cantar...

“Eu canto porque o instante existe a minha vida está completaNão sou alegre nem sou triste, sou poeta (...)
Sei que canto. E a canção é tudo.Tem sangue eterno a asa ritmada.E um dia sei que estarei mudo: mais nada “.
(Cecília Meireles, 1984).

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