Reflexões sobre o desejo infantil e suas manifestações na contemporaneidade
Por Erica Gomes Pontes |
Foto: www.sxc.hu |
"No mistério do Sem-Fim equilibra-se um planeta.
No planeta, um jardim.
No jardim, um canteiro.
E no canteiro, o dia inteiro
Entre o mistério do Sem-Fim e o planeta
A asa de uma borboleta."
Hoje ao reler este pequeno trecho de Cecília Meireles, me vi diante de uma inquietude há muito não experimentada.
Foi necessário apartar os afazeres rotineiros e me resignar solenemente ao turbilhão de idéias, pensamentos e palavras que povoaram minha mente, fazendo-me questionar, no que de mais íntimo há em mim, a inscrição da presença de um não saber, de um mistério maravilhosamente profundo, que revela-me naquilo que nem eu mesma sei.
Afinal, o que é o homem, senão este ser em busca, um navegante convicto da imensidão do mar que o envolve, um indagar constante e ininterrupto que insiste em proferir porquês mesmo diante da iminência da ausência de qualquer resposta? Somos simples andarilhos, e como tais, não possuímos o conhecimento do que a estrada nos reserva. O que resta, é nos permitir caminhar.
Caminhos existem aos milhares. Há aqueles que se mostram mais longos. Outros se revelam repletos de obstáculos e dificuldades que por pouco não nos convencem a desistir. Alguns têm perfumes de manhãs compartilhadas com amigos queridos. Outros nos fazem recordar promessas antigas de felicidade e alegrias abandonadas num passado tão perto, onde sonhar ainda era uma brincadeira possível.
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Sonhar é cultivar um jardim de possibilidades na alma. Como bem afirma Rubem Alves, tudo começa com o sonho, um pequeno fragmento que se faz continente inteiro quando arado fervorosamente, dia após dia.
Sempre me encantei pela habilidade em lidar com a terra. Minha mãe dizia que tem gente que nasce com "mão boa" pra planta, faz tudo brotar, faz tudo florescer. Hoje confesso me preocupar mais em fazer brotar sonhos. Escolho cuidadosamente cada semente que planto em meu jardim, e rego-as com a dose certa de entusiasmo e dedicação, pondo-me a esperar. Esperar é defrontar com um vazio imenso que nos seduz e nos angustia ao mesmo tempo. É rejeitar qualquer convicção, qualquer saber prévio, e se lançar num universo de expectativas, idealizações e fantasias aguardando a chegada do inusitado, do imprevisto, do mistério.
É o mistério, com todo seu encantador desconhecido que nos move. Pois o mistério é falta e é por intermédio desta que o indivíduo ascende ao status de sujeito, já que ao se perceber faltoso revela-se desejoso.
Desejar por sua vez é buscar. Uma busca que antes de tudo se pauta em um anseio por amor, e neste sentido, nossas ações são baseadas em uma lógica subjetiva, onde toda demanda é, por excelência, uma demanda de amor.
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De fato, o que se percebe é que por detrás de toda ação humana, o sustentáculo de qualquer relação estabelecida com o outro, apresenta-se sobre um único fundamento: requisição de amor. Pedimos insistentemente aos outros que nos amem e para tal fim, submetemo-nos aos mais diversificados modos de satisfação, inclusive a própria produção de sintomas e sofrimentos psíquicos.
Em uma sociedade de bases capitalistas, onde a valorização de um consumo exacerbado torna-se cada vez mais acentuada, ressaltando uma cultura de "descartáveis", pode-se cometer o fatídico equívoco de se acreditar que a satisfação se encontra no acúmulo de coisas. Não são raras as cenas em que pais munidos desta certeza relacionam-se com seus filhos exclusivamente pela via do ter: ter o brinquedo da moda, ter a roupa mais cara, comprar o livro que o amigo ganhou... Enfim, tornam-se provedores de objetos, mas esquecem-se de que a real necessidade de seus filhos é que, como pais, assumam sua posição de provedores de amor.
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O que quer uma criança?
Penso que como sujeito que é, nada mais pode lhe ser mais caro e fundamentalmente essencial que o amor daqueles que a cercam.
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